miércoles, 8 de noviembre de 2023

TERRA SAGRADA OU TERRA ESPECULADA?

A Terra Indígena do  Santuário Sagrado dos Pajés sofre hoje pressões da empresa imobiliária do Governo do Distrito Federal, a TERRACAP e de setores do mercado imobiliário e financeiros nacionais e internacionais articulados em Brasília pela Associação de Empresas Imobiliárias – ADEMI interessadas em implementar o chamado projeto Setor Noroeste, um novo bairro de classe alta na área de cerrado em que se encontram os indígenas (o metro quadrado poderá custar segundo estimativas 7 mil reais ainda na planta). O vice-governador do Distrito Federal, Paulo Octávio do partido dos Democratas (DEM) também é um dos maiores empresários do setor de construção do centro-oeste, proprietário do Grupo Paulo Octávio Empreendimentos que também vê como a menina dos olhos da construção civil a criação do novo bairro projetado inicialmente para 60 mil pessoas.

A comunidade indígena Santuário Pajé Santxiê Tapuya/Santuário dos Pajés reivindica a área desde a década de 1980, e em 1992 pleitearam um GT (grupo técnico) para a demarcação da terra como terra indígena, mas o processo foi arquivado na FUNAI. A TERRACAP diz que tem o registro da área desde 1992, mas a titularidade ignorou a existência da comunidade indígena do Santuário dos Pajés. Ademais, especialistas em conflitos de demarcação de terras indígenas afirmam que a Constituição Federal de 1988 o legislador no artigo 231 deixa claro que as terras tradicionalmente ocupadas por indígenas não tem nada haver com o passado remoto e sim com o caráter presente da ocupação. “Os índios estão lá ocupando aquela área desde 1957 e isso tem implicações no presente da comunidade. Eles ocupam tradicionalmente antes da promulgação da carta magna. O direito indígena nesse caso é inquestionável, natural e originário. Ademais o direito indígena a posse da terra vem da ocupação e não demarcação. O que se assiste em Brasília é um cenário de racismo e desinformação que só prejudica a questão. O próprio IBAMA cometeu um erro gravíssimo ao ignorar a presença da comunidade indígena e sua importância na preservação do meio ambiente daquela área”, afirmou o antropólogo Victor Oliveira.

Embora previsto no projeto “Brasília Revisitada” do urbanista Lúcio Costa de 1987 caso fosse necessário, o projeto Setor Noroeste defendido pelo governo e empreiteiras desprezam completamente o quadro sócio-ambiental atual da capital e a qualidade de vida, marcados pela intensa degradação ecológica da biosfera do cerrado, ocupação desordenada promovida na década de 1990, desigualdade social acirrada e por projeções negativas sobre o abastecimento de água para os próximos anos. Soma-se ainda que 25% das águas amazônicas estão diretamente ligadas ao regime ecológico do cerrado, onde também dependem mais duas bacias hidrográficas importantes (São Francisco e Paraná). Além, claro, das mudanças climáticas globais que intensificam os fatores deletérios do impacto ambiental.

A área na qual se encontra a reserva indígena do Bananal foi alvo de manobras já com fins de especulação imobiliária quando em 1992 parte da área foi registrada pela TERRACAP. Parte da área se tornou Parque Ecológico Norte, hoje Parque Burle Max que hoje se encontra abandonado e degradado, e a maior parte da área de cerrado originário preservado onde ocupam os índios caiu num “vazio jurídico” já que área pode ser reivindicada por diversos parques (Parque Nacional de Brasília, APA do Planalto Central, APA do Lago Paranoá), mas até hoje nenhum gestor público do meio ambiente no Distrito Federal se preocupou em proteger sequer uma árvore da região, apenas os índios continuam como guardiões e protetores do cerrado.

O fato é que estudos técnicos através de laudos antropológicos da Funai e MPF atestam que a ocupação indígena é tradicional de acordo com aquilo que a comunidade do Santuário Sagrado dos Pajés desenvolve naquele lugar o que permitiria a União ou o Governo Federal fazer uma intervenção que reconheça e demarque a área como Terra Indígena Tradicionalmente Ocupada nos moldes do Art. 231 da Constituição Federal, garantindo os direitos territoriais indígenas. Uma vez reconhecida a área indígena poderia ser ampliada, pois o ordenamento étnico-territorial considera a área de manejo pelos indígenas e a zona de preservação do cerrado diretamente envolvidos pela ocupação humana. As razões legais, técnicas e os motivos ecológicos de preservação de toda a área, incluindo a reserva indígena, são favoráveis aos índios do Santuário dos Pajés.

Mas parece que o GDF e o lobby do setor imobiliário e financeiro sabem disso e pressionam com um rolo compressor para que não se desencadeie o processo legal de reconhecimento dos direitos dos povos indígenas.